quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O Moleque e a Lagarta - Reeditado

"A mudança de fase de um ser humano é algo esplêndido. Nos baseamos em modelos e padrões banais. Bitolados à doutrinas e ordens alienais e no final nos descentralizamos. Perdemos o foco do que é uma verdadeira trasnformação em nossas vidas. O Carater! Esta é (não uma mudança) uma elevação de seus pensamentos. Igualitariamente intríseco, obtuso em relação à outros, belo quando bem aprimorado e bem exergado, porém, quando mal interpretado - Caótico. Sejamos nós, então, não o resultado final. Não a caracteristica marcante exteriormente. Mostremo-nos quem verdadeiramente somos desde o começo. E na elevação predomine o carater que lhe faça flutuar - não como uma pedra lançada aos céus - , mas uma pluma, tocada pela brisa do vento."




Todos os dias ele passava pelo bosque. Ora ele ia, ora ele vinha. Sempre no mesmo compasso, sempre no mesmo ritmo, sempre no mesmo controle, sempre no mesmo estado: alheio, observador, extasiado, apaixonado. Tempos mais tarde ele iria torna-se um senhor biólogo. Adorava a natureza, sentia-a e queria ser parte dela, ou era, dependia apenas do ponto de cada um.
Todos comentavam com a família sobre o fascínio do
pequeno moleque e perguntavam se havia algum parente que gostava dos mesmos gostos, alguma causa para tais gostos. Era certo que meninos daquela idade gostavam de pegar em cururus ou de matar rolinhas a voar. Mas era tão desconcertante ver aquele único moleque, acocorado, medindo entre três folhas qual a maior, qual a fragrância de cada uma e a qual árvore tais pertenciam. Ele sabia de cor e salteado quais tipos de arvores, quais frutos davam, quando era o tempo de colheita, se seria frutífera novamente. Era dom, alguns simplesmente deduziam. E assim era: um DOM. Ele era estranho, não andava com os outros garotos, era distante, sempre era o mais avançado nas salas de aulas, todos os outros estavam atrás dele. Mas ele era apenas um moleque. Mas sabia ele que era mesmo diferente dos demais. Mas isso não o fazia melhor que os demais. Isso, ele mesmo era capaz de saber.

O bosque pelo qual ele ia e vinha todos os santos dias de sua vida na cidade era marcado, sempre, por alguma coisa inusitada: as formigas levando os pedaços de pipoca deixados caídas pelo os outros moleques; as amareladas abelhas colhendo o pólen das amareladas rosas; os passarinhos cantarolando... Mas nada, nem ninguém, o tirava mais a concentração do que aquela tão desconcertante lagarta azulada. Sua cor era tão acetinada que chegava a brilhar ao contato com a luz solar. Mas ela tinha uma lerdeza imensamente incômoda. Deixava-o entediado, louco para tirar o olhar da figura. Mas não conseguia. Fixava-se cada vez mais, pensando até onde ela conseguiria ir com aquele corpo mole e desengoçado. Será que lagartas desse jeito tinham patas? Ou as pequeninas patinhas eram esmagadas por seu peso excessivo?. Ele não sabia, mas se caia a imaginar como seria a “perninhas” daquela lagarta. E às vezes, de tão supetão que era, a azulada parava como se sentisse a presença do moleque. Como se ela quisesse que ele fosse embora, como se ela pudesse ler todos os pensamentos dele. E ele ia embora, sempre entediado com a coitada. E sempre ao voltar no dia seguinte, encontrava-a novamente.

Ele nem sabia se era a mesma. Não! Ele sabia, tinha plena certeza. Não há outra lagarta no bosque tão gorda e vagarosa quanto esta. A única coisa que nela se aproveita é a cor. Era a única coisa. Do resto, tudo era descartado. O pensamento dele ia parar sempre naquela lagarta gorda e lenta. Mesmo vendo as abelhas colherem o pólen, mesmo vendo o passarinho cantando e as formigas em seu ritual de abastecimento; ele se perdia ao ver a pobre lagarta. Sem um bando, sem família. Ele às vezes sentia compaixão dela, mas não sabia o que era de fato, apenas sabia que existia um sentimento por ela.

O tempo foi-se a esguia, e lá estava ele. Só que agora não estava mais a observar e sim a procurar. Há tempos não via a lagarta. Onde ela teria ido? Será que tivera ela virado comida para os predadores? Ele ficou espantado com a hipótese. A cor dela era tão linda. Azulado como o céu, brilhante como o sol, e ela era calma como a lua. Apesar de todos os pensamentos ruins sobre a coitada, no fundo, ele sabia qual o sentimento que ele sentia por ela. O mesmo sentimento que os outros sentiam deles. Sentia-se mal por olhar para a pobre lagarta da mesma forma como os outros olhavam para ele. Mesmo vendo que ela tinha uma cor bonita, ele a julgava pelo o que ela parecia ser, e não pelo o que ela era. Sentia-se iníquo, porque refletindo no pequeno rio, viu em si a imagem daqueles que tanto lhe criticam, que tanto se questionam ao seu respeito. Ele era a lagarta, e só após a mesma sumir, é que soube entender os sentimentos que tinha por ela. Não era compaixão, era algo mais para empatia. Só que eram seus problemas, e não dela.

Mas num momento tão inesperado, em que as nuvens lhe tocam os pés, ele viu aquela pluma azulada a cambalear sobre o céu. Dançava como uma bailarina em tons azulados; flutuava e voava ao favor do vento, nunca querendo cansar a sua estimada beleza. Ela vinha descendo, esplêndida, invicta. Ao contato com o sol, seu corpo levíssimo apresentou diversos tons azulados mesclados com tons escuros, e aquela imagem o fez lembrar algo, alguém.
Ela, inacreditavelmente pousou em seu ombro, e ele em elevação, fixou-se o olhar nela. Tal qual ele sentia o olha
r dela no dele. E ele não sabia o que pensar, ele não sabia o que fazer, não sabia o que falar. Ele simplesmente sabia quem era, mas não decidiu mais julgar. Desta vez, ele sentou-se, observando-a, como de costume, mas agora sem pensar, apenas a admirar.


Abraços à todos! ;D

2 comentários:

  1. Robério, que gosto que dá ler os seus textos! Que linda história de identificação ente um menino e uma lagarta. Se julgássemos menos... se nos julgassem menos... Adoro a transformação da lagarta em borboleta, e acho que, dentro de nós, temos lagartas prontas a se transformarem. Basta que lhes demos tempo para em seu casulo entrarem. Um beijo carinhoso, Deia.

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  2. Ei Robério! Que bonito... Engraçado que essa história de casulos e borboletas e lagartas azuis me lembra muitissimo minha própria infância. Ler-te foi lembrar de coisas que estavam adormecida em um baú.
    Enorme abraço.

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