terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O CRIME

Era uma segunda-feira e estávamos na sala de aula conversando sobre a aula do professor de matemática. A primeira aula seria com a professora de química. Apesar da matéria não ser tão legal, a professora era linda, pelo menos para mim.

Ela chegou na sala e informou que haveria prova parcial sobre Isomeria. Não tinha com o que me preocupar, eu era bom na matéria. Eu era bom em tudo, menos em matemática – fiquei com um 5,8 no bimestre III devido a um grande absurdo.

Todos ficaram perplexos com a notícia de que haveria prova surpresa de química, afinal quem ela pensa que era pra chegar assim e ir dando logo esta bendita prova.

- Sou a professora de química e não quero mais delongas, vou passar a prova às 14 horas e não quero mais saber de reclamações.

Foi sucinta nesse ponto. Como havia dito não me importei muito, afinal eu tava por dentro da matéria. Estava perto de uma amiga e ela sabia da matéria tanto quanto eu:

- Se for mesmo como ela nos ensinou a prova será fácil.

Preferi ficar calado e me concentrar. Não estava a fim de tirar nota baixa e muito menos de subestimar o poder que aquela professora tinha ao aplicar uma prova.

A prova era absurdamente fácil e fiquei me perguntando se a professora estava a brincar com a nossa cara. Continham apenas oito itens, onde teríamos que dizer o tipo de isomeria contido em cada um. Terminei a prova em menos de dez minutos, mas tentei revisá-la, para ver se não havia erros. Encontrei um que quase passava despercebido. Entreguei a bendita prova e retirei-me da sala.

No instante que sai, vi que a biblioteca se encontrava aberta e tive o simples impulso de entrar. Sou apaixonado por literatura. Tenho até uma pequenina biblioteca com uns sessenta livros.

Entrei e deparei-me com uma pilha de livros em uma mesa velha e com uma cor morta. Olhei para bibliotecária e ela com um simples gesto disse-me no olhar:

- A instante onde eles ficavam estava com cupim!

Cupim? Que tipo de biblioteca era aquela? A verdade é que senti raiva ao ver que alguns livros estavam estragados e que eram livros realmente bons. Achei uma coleção completa de O tempo e o Vento do autor consagrado Erico Veríssimo. Fiquei a me perguntar como a Escola cometera este absurdo de não me apresentar tais livros e ainda deixou que a instante onde eles estavam confinados fosse atacada por cupim. Restringi-me ao canto e peguei um livro qualquer para ler. O nome? Nem me lembro qual era. Lembro-me apenas que era meio infantil e larguei no lado esquerdo da mesa. Fitei um livro cuja capa era branca com cores vivas e chamativas. Tentei pega-lo para ver, mas derrubei o Casmurro do Machado no chão.

- Tome mais cuidado com os livros rapaz, ordenou à bibliotecária

Que contraste. Teria eu mais cuidado com os livros em minha casa, pois não os deixo pegar cupim. Eu tinha muito gosto de ler e cuidava dos livros como se fosse verdadeiras obras de arte. E são! Apanhei o livro realista e me recompus a cadeira empoeirada que sujou o uniforme branco com azul. Fitei outro livro e esse me chamou muita atenção. Graciliano Ramos com Vidas Secas me deixou com o coração palpitando de alegria. Há tempos queria ler este bendito livro. Mais do que ler queria tê-lo em minha biblioteca. Passou por mim uma espécie de pensamento, comecei os meus famosos monólogos intermináveis.

Acabei por decidir que a melhor maneira era roubando-lhe, tirar-lhe da imensa poeira que assolava aquela biblioteca cafona. Era levá-lo para um local limpinho, onde era arejado e bem cuidado. Era adotá-lo como filho e nunca mais deixá-lo sair de perto de mim.

- Como irei fazer tal coisa? – perguntei a mim mesmo

Olhei para um canto e vi que os outros alunos da prova de química já estavam saindo e tiveram a mesma idéia de vir para a biblioteca. Ora, eles nunca vieram para cá, porém, justamente hoje, ficam numa das mesas do ambiente jogando dama num tabuleiro de xadrez.

Olhei para o bolso da minha calça Jeans e percebi que era grande o bastante para colocá-lo dentro sem que ninguém percebesse. Senti uma repulsa no coração que, da vontade que estava de ter o livro para mim, eu quis abandonar o plano e não mais fazer aquilo. Sobretudo, não desisti e decidi ir até o final. Tem um escritor que disse em sua obra que a pessoa só vive feliz quando consegue realizar aquilo que tanto almejava. Ora essa! Eu queria sim o livro e não tava a fim de abrir mão dele.

- Opa, o livro caiu no chão.

Foi a única tática que achei para que ninguém percebesse que estava a embutir o Graciliano em minhas calças. A bibliotecária olhou para mim novamente com um olhar repreensivo e eu com um gênio brilhante para ser ator, fingi não perceber o olhar dela e voltei a ler um conto que nem sabia do que tratava. De novo ao plano, abri o fecho do bolso e aos poucos fui colocando o livro, sentia a secura dele nas minhas pernas e meu coração batia cada vez mais forte. Vi ainda o professor de português se aproximando de mim. Ele ficaria orgulhoso de saber que queria ler Vidas secas, todavia ficaria surpreso com o ato desonesto que eu estava cometendo.

- Pronto, está feito! disse à mim mesmo.

Cometi o roubo do ano, o furto que ficará marcado na minha vida. Como me poderei viver sabendo que cometi tal ato? Viverei sim, porque agora sei que tenho a vida seca e os ramos em meu poderio. Levantei-me, tinha que finalizar o crime sem que nada desse errado.

- A senhora sabe informar quais livros vão cair no vestibular?

Tentei disfarçar com uma história dessas? O vestibular já tivera acontecido e ela iria perceber. Porém, a bibliotecária mostrou a sua falta de instrução e com um olhar envergonhado apenas abanou a cabeça negativamente. Fiquei aliviado por ela não ter percebido e contrariado por ela não saber que o vestibular já tivera passado.

Fui para sala de aula, onde se encontrava apenas a professora e as alunas curiosas para saber as notas da prova surpresa. Fingi não perceber a presença delas e fui a minha carteira. Num impulso imediato abri o zíper maior e coloquei a vida de um crime na bolsa. O livro continha umas 200 páginas, mas deixou a bolsa pesada pela culpa de tê-lo retirado do acervo empoeirado. Agora sim estava finalizado. Eu tivera conseguido o livro tão sonhado e recebi como recompensa a nota mais alta da sala:

- Parabéns, você foi o único que conseguiu acertar todas as questões da prova! [...]


Robério Marques
Dedico à todos, que assim como eu, se alimentam das literaturas da vida!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você já clicou, agora basta escrever... :)